Acho muito divertida essa
rivalidade criada entre as duas principais metrópoles de país. A disputa entre
paulistas e cariocas já faz parte da cultura nacional e até proporciona um
charme entre os dois estados (Sim, eu sei que o correto seria escrever
paulistanos e cariocas, ou no caso de expandir a rivalidade a nível estadual,
paulistas e fluminenses. Mas a cultura popular batizou a rixa RioXSP dessa
forma). Seja no campo do futebol, das artes da política, sempre paulistas e
cariocas tentam se vangloriar dos seus feitos e consequentemente diminuir os do
rival. Mas não tenho dúvida que tudo isso não passa de uma saudável brincadeira
e todo mundo concorda na importância das duas cidades para o país e até para a
America do Sul.
E hoje, tive que me render aos amigos cariocas que
vivem tirando sarro comigo, um paulistano nascido e criado nessa cidade: O
embrião da revolução será gerado no Rio de Janeiro. O que vimos na capital fluminense
essa semana foi lindo. A mobilização e vitória dos garis é algo que merece
destaque no histórico das lutas recentes da classe trabalhadora. A capacidade
de organização de uma profissão desprezada pela sociedade realmente
impressionou. Quem acompanhou o desenrolar da greve de longe como eu, pode
observar uma categoria muito bem estruturada, com objetivos claros e acima de
tudo, coragem para enfrentar os mais poderosos grupos. Como acreditar na
vitória de uma classe trabalhadora, formada em sua imensa maioria por negros,
favelados e com baixo grau de instrução? Pois a vitória veio e de maneira
retumbante. Os 37% de aumento é uma conquista para inflar de orgulho todos os
garis. Não apenas pelo valor real que isso representa no bolso, mas pelo simbolismo.
Não me recordo de ter visto, ao menos recentemente, outra categoria ter
conseguido um aumento tão significativo ao final de uma greve. Todos os
envolvidos estão de parabéns, mas não só eles.
O prefeito Eduardo Paes, certamente não gostou nada
de ter cedido nessa queda de braço. E nem estou questionando a administração
Paes, ou a lisura do prefeito. Talvez ele pessoalmente até gostasse de oferecer
o reajuste salarial, mas é claro, 37% é um valor significativo nos cofres do
município (Estimado em R$ 400 milhões por ano). Certamente, Paes não concedeu o
aumento por caridade. O aumento somente saiu devido o apoio da população ao
movimento grevista. A tentativa da imprensa em jogar os trabalhadores contra a
sociedade, mostrando a Cidade Maravilhosa imunda, não deu certo. O a prefeitura
pressionada não teve outra saída a não ser atender a reivindicação trabalhista.
Fosse aqui em São Paulo, certamente a população estaria indignada com “esses
vagabundos que em vez de trabalhar ficam ai fazendo baderna”. Uma matéria do
SPTV mostraria a cidade suja com lixo espalhado pelas ruas. E a noite no Jornal
do SBT, veríamos uma Rachel Sheherazade indignada com os desmandos de um país
que tolera que garis de organizem, e em nome da ordem e do progresso exigindo
que o Estado, através de seu aparelho repressivo, de fim a esse caos (Em termos
coloquiais, descesse a borracha nos grevistas). E nos sofás das salas, as
famílias paulistanas aplaudiriam e endossariam nas redes sociais o coro. Quem
esses lixeiros pensam que são para perturbar a paz e a ordem pública?
Quem não se lembra de Boris Casoy, um dos ícones da
direita brasileira, em uma falha técnica da TV Bandeirantes, humilhando ao vivo
dois garis que desejavam um feliz ano-novo aos telespectadores do Jornal da
Band, no último dia de 2009? “Que merda, dois lixeiros desejando felicidades.
Do alto de suas vassouras. Dois lixeiros! O mais baixo da escala do trabalho”.
Para quem não sabe, não lembra ou tenta esquecer, Casoy foi um dos membros do
CCC (Comando de Caça aos Comunistas), um aparelho informal do regime militar
que como o nome sugere, era pago pela ditadura para matar simpatizantes do comunismo.
O desdém com que Boris Casoy foi flagrado nessa situação é o mesmo das elites para
com a classe trabalhadora. A vitória dos garis cariocas é uma vitoria de todo o
proletariado. É a prova que a poder está nas mãos dos trabalhadores, que sim,
somos fortes.
Sinceramente fiquei curioso em ver a cara, depois
de consolidado o reajuste salarial, daqueles garis que não aderiram à paralisação.
Daqueles que protagonizaram aquela cena patética de pedir escolta policial para
trabalhar. Esses mesmos que tentaram por tudo a perder. Pois é, eles também
terão o reajuste. Mas imagine o momento de abrir o contracheque, e olhar aquele
aumento salarial. Lembrar que foi uma conquista que ele não participou, alias,
fez o possível para atrapalhar. Ou ainda, chegar em casa e encarar o filho
gritando: Parabéns pai, eu vi na televisão. Vocês conseguiram! Os amigos no
boteco, batendo no ombro dizendo: Cara, que vitória hein? E no intimo saber que
os cumprimentos são indevidos, que a vitória foi daqueles que por covardia, não
apoiei. E tentar o possível para meu filho e meus amigos não descubram que sou
um pelego. Esses ai bem que podiam devolver o aumento. Reconhecer não ser
merecedor dele. Não... a lei não permite isso. Então, doar, enterrar ou atear
fogo na diferença. Assim tentar esquecer essa vergonha. Se bem que não precisa.
Encarar os colegas de trabalho na segunda feira já é punição suficiente.