quinta-feira, 10 de julho de 2014

AVATAR: A Nação do Fogo e o Imperialismo Britânico




Avatar: A lenda de Aang é um desenho estadunidense, com inspirações nos animes japoneses, que foi lançado em 2005 pela Nickelodeon e criado por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko. Teve três temporadas (as duas primeiras com 20 episódios cada e a última com 21 episódios) durando até 2008.
O curto número de temporadas em nada tem haver com o sucesso da série que, mesmo voltada ao público infantil, ganhou grandes adeptos entre jovens adolescentes e adultos. Os criadores planejaram que a série teria 3 temporadas, garantindo assim um início, meio e fim coerentes.
O grande sucesso que essa série teve entre o público de maior idade pode ser explicado pela introdução de elementos sociais complexos, um roteiro bem feito e bem definido, movimentos baseados em artes marciais reais e uma forma agradável a todos os públicos.

Serão nesses elementos sociais mais complexos que me deterei. Por enquanto, analisaremos como que “Avatar, a lenda de Aang”, incorpora elementos historiográficos para justificar a ação de alguns dos seus atores, fazendo que essa seja uma das melhores produções animadas feita nos Estados Unidos.
Antes de iniciar a parte importante do texto é preciso dizer que isso não se pretende um artigo acadêmico. Não usarei fontes e citações além daquelas que lembro de cabeça. E também é preciso dizer que não me deterei em explicar a história do desenho, apenas abordaremos o objeto de análise em questão.

No final do século XVIII a Inglaterra viveu um processo conhecido como Revolução Industrial, que iria atingir o mundo inteiro em pouco tempo. Mais do que apenas a revolução técnica dos meios de produção (com a criação da máquina a vapor e a possibilidade de produção em larga escala) a Revolução Industrial teve profundo impacto social, elevando a burguesia para o posto mais alto da pirâmide social – e desde então ela nunca saiu – e a criação de uma nova classe que seria agente decisivo dos novos processos históricos a partir do sec. XIX: o proletariado.
Se no início do capitalismo surgido da Revolução Industrial a economia era baseada no livre mercado e na livre concorrência, como o sonho liberal, rapidamente esse sonha iria descambar no capitalista monopolista financeiro. Em resumo basta dizer que houve a formação de grandes monopólios industriais e devido a necessidade de superar crises de superprodução, escoar excesso populacional, buscar e criar novos mercados consumidores, essa nova fase do capitalismo iria resultar no que Lênin conceitua como o “Imperialismo: Fase superior do capitalismo”.
Ta bem, mas o que isso tudo tem haver com um desenho infantil Avatar? Tudo. Com o mínimo de observação atenta à série, é possível perceber que a Nação do Fogo – a grande inimiga da história e responsável por uma guerra que já dura 100 anos – é a nação tecnologicamente mais bem desenvolvida do planeta. Enquanto as outras nações (Tribo da Água, Reino da Terra e os extintos Nômades do Ar) vivem em sociedades semifeudais, ou tribais, com graus diferentes de desenvolvimento tecnológicos, a Nação do Fogo utiliza em seu poderio bélico – principalmente naval – navios a vapor, tanques de guerra feitos com ferro fundido, dirigíveis, entre outras coisas que explicam o seu sucesso na guerra até então.
Aí está a primeira comparação evidente com a Inglaterra Imperialista do século XIX. Utilização de tecnologia superior às nações dominadas (no caso inglês, a África e a Ásia e no caso da Nação do Fogo: territórios no Reino da Terra) e um exército visto muitas vezes como imbatível – mesmo que em ambos os casos tenha sofrido resistências aguerridas que dificultaram os planos imperialistas.

As semelhanças não param por aí. Mesmo que o pano de fundo geral seja as artes orientais, principalmente o Kung Fu – que é base de todos os movimentos de dobra de água, fogo, ar e terra – é possível identificar no Reino da Terra, por exemplo, o poderoso Império Chinês, que ainda assim não foi páreo para as investidas da Inglaterra. As duas principais Tribos da água (sul e norte) viviam em sociedades que poderiam se assemelhar, em graus diferentes, com diversas sociedades africanas, mesmo que a comparação mais clara no desenho (e provável fonte de inspiração ao criador) seja com os esquimós. E os Nômades do Ar nada mais eram que monges pacíficos e religiosos.
Sendo assim temos uma nação com grande avanço tecnológico industrial e bélico (provavelmente explicado pelo domínio do fogo que tinham) e outras nações que não haviam alcançado esse desenvolvimento tecnológico e industrial. É importante frisar aqui que não estamos colocando hierarquia nos graus de desenvolvimento de diferentes sociedades e nem o desenho colocava. As sociedades vivem seu próprio estágio de desenvolvimento, sem hierarquização, como costumavam dizer os ideólogos do imperialismo no sec. XIX e ainda dizem hoje, em certa medida.
Chegamos assim a outro elemento crucial na comparação aqui feita. Um dos elementos que conferem a série grande peso em termos de roteiro e personagens e que raramente se vê em desenhos com esse público, é o fato da Nação do Fogo não fazer a guerra e dominar outras terras por ser má. O Senhor do Fogo (líder da Nação do Fogo) não é um monstro degenerado e a terceira temporada, em que os personagens principais passam a viver no continente da Nação do Fogo, aborda bem essa questão.
Em um episódio em particular ocorre um diálogo fantástico entre o Senhor do Fogo que começou a guerra há 100 anos e o Avatar da época (uma geração anterior do avatar Aang). O Senhor do Fogo dizia algo como: “Veja como nossa nação se desenvolveu, Avatar. Veja o grau de civilidade que alcançamos! Nossa nação é a mais organizada e desenvolvida do planeta, não acha?” O Avatar concorda desconfiado e o Senhor do Fogo completa: “Precisamos levar essa civilização aos povos não civilizados!”

Não lembro se o diálogo era exatamente assim, mas sua essência era essa. Meses depois a Nação do Fogo já tinha suas primeiras colônias no Reino da Terra. Ou seja, mais do que um espírito mal e para além das justificativas econômicas, há na ação da Nação do Fogo um sentido ideológico muito condizente com o pensamento do Imperialismo do sec. XIX. Um inglês importante da época chegou a dizer que o fardo do homem branco era civilizar os selvagens da África e Ásia e mostra-lhes a verdadeira civilização evoluída, mesmo que para isso fosse preciso usar a força.


Assim o que poderia ser apenas um bom desenho para assistir e esfriar a cabeça torna-se um belo objeto de estudo sobre o Imperialismo (não só inglês), seu idealismo de progresso e evolução social preconceituosos e destrutivos e os efeitos nas sociedades do que hoje acostumamos chamar de Terceiro Mundo.

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