Avatar: A lenda de Aang é um desenho
estadunidense, com inspirações nos animes japoneses, que foi lançado em 2005
pela Nickelodeon e criado por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko. Teve
três temporadas (as duas primeiras com 20 episódios cada e a última com 21
episódios) durando até 2008.
O curto número de temporadas em nada
tem haver com o sucesso da série que, mesmo voltada ao público infantil, ganhou
grandes adeptos entre jovens adolescentes e adultos. Os criadores planejaram
que a série teria 3 temporadas, garantindo assim um início, meio e fim
coerentes.
O grande sucesso que essa série teve
entre o público de maior idade pode ser explicado pela introdução de elementos
sociais complexos, um roteiro bem feito e bem definido, movimentos baseados em
artes marciais reais e uma forma agradável a todos os públicos.
Serão nesses elementos sociais mais
complexos que me deterei. Por enquanto, analisaremos como que “Avatar, a lenda de
Aang”, incorpora elementos historiográficos para justificar a ação de alguns
dos seus atores, fazendo que essa seja uma das melhores produções animadas
feita nos Estados Unidos.
Antes de iniciar a parte importante
do texto é preciso dizer que isso não se pretende um artigo acadêmico. Não
usarei fontes e citações além daquelas que lembro de cabeça. E também é
preciso dizer que não me deterei em explicar a história do desenho, apenas
abordaremos o objeto de análise em questão.
No final do século XVIII a Inglaterra
viveu um processo conhecido como Revolução Industrial, que iria atingir o mundo
inteiro em pouco tempo. Mais do que apenas a revolução técnica dos meios de
produção (com a criação da máquina a vapor e a possibilidade de produção em
larga escala) a Revolução Industrial teve profundo impacto social, elevando a
burguesia para o posto mais alto da pirâmide social – e desde então ela nunca
saiu – e a criação de uma nova classe que seria agente decisivo dos novos
processos históricos a partir do sec. XIX: o proletariado.
Se no início do capitalismo surgido
da Revolução Industrial a economia era baseada no livre mercado e na livre
concorrência, como o sonho liberal, rapidamente esse sonha iria descambar no
capitalista monopolista financeiro. Em resumo basta dizer que houve a formação
de grandes monopólios industriais e devido a necessidade de superar crises de
superprodução, escoar excesso populacional, buscar e criar novos mercados
consumidores, essa nova fase do capitalismo iria resultar no que Lênin
conceitua como o “Imperialismo: Fase superior do capitalismo”.
Ta bem, mas o que isso tudo tem haver
com um desenho infantil Avatar? Tudo. Com o mínimo de observação atenta à
série, é possível perceber que a Nação do Fogo – a grande inimiga da história e
responsável por uma guerra que já dura 100 anos – é a nação tecnologicamente
mais bem desenvolvida do planeta. Enquanto as outras nações (Tribo da Água,
Reino da Terra e os extintos Nômades do Ar) vivem em sociedades semifeudais, ou
tribais, com graus diferentes de desenvolvimento tecnológicos, a Nação do Fogo
utiliza em seu poderio bélico – principalmente naval – navios a vapor, tanques
de guerra feitos com ferro fundido, dirigíveis, entre outras coisas que
explicam o seu sucesso na guerra até então.
Aí está a primeira comparação
evidente com a Inglaterra Imperialista do século XIX. Utilização de tecnologia
superior às nações dominadas (no caso inglês, a África e a Ásia e no caso da
Nação do Fogo: territórios no Reino da Terra) e um exército visto muitas vezes
como imbatível – mesmo que em ambos os casos tenha sofrido resistências
aguerridas que dificultaram os planos imperialistas.
As semelhanças não param por aí.
Mesmo que o pano de fundo geral seja as artes orientais, principalmente o Kung
Fu – que é base de todos os movimentos de dobra de água, fogo, ar e terra – é
possível identificar no Reino da Terra, por exemplo, o poderoso Império Chinês,
que ainda assim não foi páreo para as investidas da Inglaterra. As duas
principais Tribos da água (sul e norte) viviam em sociedades que poderiam se
assemelhar, em graus diferentes, com diversas sociedades africanas, mesmo que a
comparação mais clara no desenho (e provável fonte de inspiração ao criador)
seja com os esquimós. E os Nômades do Ar nada mais eram que monges pacíficos e
religiosos.
Sendo assim temos uma nação com
grande avanço tecnológico industrial e bélico (provavelmente explicado pelo
domínio do fogo que tinham) e outras nações que não haviam alcançado esse
desenvolvimento tecnológico e industrial. É importante frisar aqui que não
estamos colocando hierarquia nos graus de desenvolvimento de diferentes
sociedades e nem o desenho colocava. As sociedades vivem seu próprio estágio de
desenvolvimento, sem hierarquização, como costumavam dizer os ideólogos do
imperialismo no sec. XIX e ainda dizem hoje, em certa medida.
Chegamos assim a outro elemento
crucial na comparação aqui feita. Um dos elementos que conferem a série grande
peso em termos de roteiro e personagens e que raramente se vê em desenhos com
esse público, é o fato da Nação do Fogo não fazer a guerra e dominar outras
terras por ser má. O Senhor do Fogo (líder da Nação do Fogo) não é um monstro
degenerado e a terceira temporada, em que os personagens principais passam a
viver no continente da Nação do Fogo, aborda bem essa questão.
Em um episódio em particular ocorre
um diálogo fantástico entre o Senhor do Fogo que começou a guerra há 100 anos e
o Avatar da época (uma geração anterior do avatar Aang). O Senhor do Fogo dizia
algo como: “Veja como nossa nação se desenvolveu, Avatar. Veja o grau de
civilidade que alcançamos! Nossa nação é a mais organizada e desenvolvida do
planeta, não acha?” O Avatar concorda desconfiado e o Senhor do Fogo completa:
“Precisamos levar essa civilização aos povos não civilizados!”
Não lembro se o diálogo era
exatamente assim, mas sua essência era essa. Meses depois a Nação do Fogo já
tinha suas primeiras colônias no Reino da Terra. Ou seja, mais do que um
espírito mal e para além das justificativas econômicas, há na ação da Nação do
Fogo um sentido ideológico muito condizente com o pensamento do Imperialismo do
sec. XIX. Um inglês importante da época chegou a dizer que o fardo do homem
branco era civilizar os selvagens da África e Ásia e mostra-lhes a verdadeira
civilização evoluída, mesmo que para isso fosse preciso usar a força.
Assim o que poderia ser apenas um bom
desenho para assistir e esfriar a cabeça torna-se um belo objeto de estudo
sobre o Imperialismo (não só inglês), seu idealismo de progresso e evolução
social preconceituosos e destrutivos e os efeitos nas sociedades do que hoje
acostumamos chamar de Terceiro Mundo.
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