sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O mágico das ruas – Prólogo

Tudo o que acontece à noite se finda na alvorada, afinal, não há demônio que resista a luz da esperança, mesmo que ela insista em reluzir nos lugares mais sombrios da terra.


ㅤㅤ ㅤㅤA neblina caía intensa sobre as ruas de Greencity.  Não que isso seja normal ou que aconteça todos os dias; era raro, mas não era necessário um nevoeiro para tornar essas ruas tenebrosas.  Lixos derrubados e seus dejetos espalhados pelo asfalto gasto, gatos cruzando em bandos calmamente pelas vias sem temer os raros carros que passavam por ali, e a calçada que servia como cama para alguns grupos de mendigos e viciados que ali repousavam como se estivessem mortos aos trapos.  Tudo isso contribuía para manter a fama do lugar, e para os viventes que ali perambulam, era apenas mais uma noite normal em Darkrose também conhecido como o lado sombrio da cidade. Isso também inclui o que acontece nas sombras dessa região.

ㅤㅤ ㅤㅤUm barulho ensurdecedor acordara abruptamente aqueles moradores de rua, ou pelo menos os poucos que não estavam sob o efeito das fortes drogas que ingeriam.   De longe, viam uma luz alta que ocultava um carro e o barulho, era a buzina que soava alto aos frágeis ouvidos dos que despertavam da ilusão de seus sonhos medíocres.  O ronco do motor era alto - ora agudo demais -, mantendo o mesmo ritmo das aceleradas que o motorista dava perto dos mendigos, e o reflexo chamativo da pintura reluzia em um vermelho vinho nos olhos embaçados dos viciados.

ㅤㅤ ㅤㅤDe dentro, um par de homens morenos riam alto de alguma coisa - talvez fosse o espanto dos moradores de rua -, até que as buzinas cessaram e a luz do farol abaixou. E as risadas deram lugar para uma expressão séria de um deles, se não próxima a frieza de um psicopata. Já o outro pastorava as esquinas de dentro do carro, atento aos demônios oculto nas sombras.

ㅤㅤ ㅤㅤ- E aí, bando de vagabundos – vociferava um deles – Alguém de vocês sabe usar uma belezinha dessas?

ㅤㅤ ㅤㅤMostrara uma arma de calibre 40, parecia nova demais para um morador de rua ter.  O silêncio manteve-se, o que agravou a pouca paciência que o homem demonstrava ter. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ok, pareceu um pouco gentil, vamos tentar de novo... -  Saiu do carro e bateu a porta atrás de si, indo até uma mulher ruiva que se empurrava contra a parede parede, encolhendo-se, demonstrando um medo superior aos demais. – Ei você, por que o medo?  Você sabe usar uma dessas?

ㅤㅤ ㅤㅤEla não respondeu.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Responda! – Acertou-a com uma coronhada que a fez cair para o lado, jorrando sangue pelo nariz. 

ㅤㅤ ㅤㅤA garota parecia controlar o choro e vagarosamente, ergueu-se com as mãos à frente o rosto.

 ㅤㅤ ㅤㅤ- E-eu não sei...  

ㅤㅤ ㅤㅤ - Ah você não sabe?  E o que uma mulher drogada sabe fazer se não dar o rabo por drogas? 

ㅤㅤ ㅤㅤE novamente avançou sobre ela, porém agora com chutes e pontapés.  Parecia uma raiva desnecessária, mas mulheres drogadas o irritavam, afinal foi por causa de uma que ele se tornou apenas mais um homem sem família em Darkrose.  Seu nome era Mickey,  e ele tinha uma casa e uma família; uma mulher e uma linda filha, entretanto coisas começaram a sumir de sua casa.  Começou com alguns trocados, depois alguns objetos até tornar-se visível para ele que havia algo de errado. Então um dia a pegou no ato, mas não se mostrou. Apenas a seguiu, e ela a levou a um ponto de drogas. Na volta  ele conversou com ela, assim como nas várias vezes que isso aconteceu e ela sempre repetia “eu vou parar, eu prometo”,  mas era fraca demais para isso. Então um dia ele reuniu alguns amigos para levá-la à força para o tratamento, mas ela ouviu a conversa dele com um amigo no telefone combinando os detalhes e, desesperada,  armou uma fuga.  Sorrateiramente ela roubou a carteira de Mick à noite e pegou a senha do banco e na manhã seguinte  foi ao banco e sacou todo o dinheiro que haviam economizado. Estava tudo arquitetado; esperou ele sair para o trabalho e arrumou as malas - dela e da filha -, e quando estava prestes a partir, batidas ecoavam na casa; vinha da porta, e atrás da porta havia um homem e com esse homem havia uma arma. 

ㅤㅤ ㅤㅤ E com esta arma havia uma dívida a ser cobrada.

ㅤㅤ ㅤㅤQuando Mickey chegou em casa, viu as duas mulheres de sua vida jogadas ao chão cobertas por sangue.  No fim, ela não conseguiu fugir.  Apenas foi morta a tiros pelo traficante o qual estava devendo há meses, e com esse acerto de contas, sua filha foi junto, e Mickey se tornou mais um homem sem família... Em Darkrose. Mas esta noite será diferente para ele, afinal, depois de tanto tempo trocando favores, executando vários outros homens e se tornando parte do lado escuro da cidade, ele finalmente descobriu o mandante e hoje, a caçada têm seu início.

ㅤㅤ ㅤㅤDentro do carro, seu primo gritava:

 ㅤㅤ ㅤ   - Mick, deu cara! 

ㅤㅤ ㅤㅤMickey cessava os chutes encarando o agora cadáver da mulher ruiva tombar bruscamente contra a gélida calçada. Respirou fundo, revirando os olhos.  Acendeu um cigarro e deu uma tragada longa e profunda, tentando manter a calma.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Bem, hoje é uma noite muito especial para mim... - Disse em voz alta -  E neste amanhecer, eu poderei sentar n’uma cadeira e fumar um cigarro tranquilo e sem peso algum em meu coração, e claro  com uma cerveja bem gelada na mesa me esperando, mas para isso, alguém terá que tombar hoje.  Vocês estão afim de me ajudar nisso caras? 

ㅤㅤ ㅤㅤUm par de mendigos levantou-se com as mãos erguidas e um deles tomou a palavra:

ㅤㅤ ㅤㅤ- Eu...Nós soubemos usar uma dessas.  Calibre 40, 11 tiros, não é?  - Tossiu, levando a mãos até a boca.  Parecia alguém com o mínimo de educação, assim percebeu Mick.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Nós somos primos e frequentamos juntos aulas de tiro no Greenville Center.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Porra, hein? Mas que diabos dois mendigos faziam naquele ninho de pomposos?

ㅤㅤ ㅤㅤ- Na verdade eu sou filho do dono do posto de gasolina no centro, mas ele me mandou embo-

ㅤㅤ ㅤㅤ- Para, para! Não quero saber de onde 'tu veio. – Cortou a fala do drogado -  Se 'tu sabe usar vem pra cá.  Mais alguém sabe?

ㅤㅤ ㅤㅤMais três levantaram e foram até os outros dois.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Muito bem – Tirou do bolso algumas notas enroladas em um fino elástico – Aqui tem cinco mil.  Dividam entre vocês depois.  – Entregou a um deles e se afastou. Seu primo desceu do carro e postou-se ao seu lado.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ei cara, tem certeza disso?  A nossa presa é grande, e esses caras não parecem ter sangue frio.

ㅤㅤ ㅤㅤ- É só mirar e atirar, não tem erro. Se eles errarem, eu atiro “nele” e neles também. Na cara.

ㅤㅤ ㅤㅤ- É isso aí cara, 'tu é foda!

ㅤㅤ ㅤㅤAllan além de ser primo de Mickey, era também seu melhor amigo, mas não estava no mundo do crime por uma causa pessoal ou vingança, mas sim por ser o jeito mais fácil de ganhar dinheiro e viver na ostentação. Isto é, era apenas mais um vadio qualquer tentando viver na boa vida sem ter que pegar no pesado.  Entretanto era fiel, ou pelo menos provara isso uma ou duas vezes.  E era disso que Mick mais gostava nele.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Então vamos?  ‘Tô louco pra  usar essa belezinha, olhe como ela brilha pra mim. – Riu Allan, apreciando a beleza prateada da arma.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Vamos, por que eu pretendo dormir tranquilo esta noite... Foram quatro anos de espera e hoje eu vou deitar esse filho da puta covarde.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Nós irmão, nós. 

ㅤㅤ ㅤㅤOs mendigos embarcaram todos no carro deixando um mal cheiro gritante dentro da BMW.  Allan sentia-se incomodado, afinal tinha orgulho daquele carro, pois ali já transou com várias modelos, frequentou lugares "finos" e fechou grandes negócios dentro do mesmo,  e carregar mendigos dentro de sua BMW era a mesma sensação de um pai deixar a sua filha que tanto amou e cuidou casar com um viciado em drogas, desempregado, e que não tem onde cair morto. Era desconfortável, e essa expressão era bastante visível em Allan.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ah qual é! Vocês já pensaram em tomar um banho?  Parece que jogaram lixo encima de vocês por um mês inteiro! - Reclamou.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Vamos logo. Depois mandamos essa carroça pro lava rápido. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Não fale assim do meu bebê, cara. Isso magoa! - Acelerou, deixando para trás apenas fumaça e um cadáver.

 ㅤㅤ ㅤㅤ- Cala boca cara, é só um carro. Enfim,  se eles fizerem tudo certinho, eu pago um banho e uns burgers e quem sabe...  Algumas pedras de Rubi. 

ㅤㅤ ㅤㅤDeu outra tragada no cigarro e olhou para trás com um sorriso de canto, soltando a fumaça vagarosamente em uma nuvem de malícia pelo canto da boca.  Queria ver a expressão do quinteto de drogados, e o que viu já era esperado por ele.

ㅤㅤ ㅤㅤA felicidade desesperada de um viciado.




#  #  #



ㅤㅤ ㅤㅤA BMW de Allan tremia a cada emenda de asfalto, mas era facilmente ignorada por eles já que o efeito das batidas dos alto-falantes eram maiores que o tremor do carro, aliás,  era mesclado junto ao tremor das batidas graves da música.  Ouviam alguma música que dizia ser o certo atirar três vezes naquele que comprava o “bagulho” e não pagava depois; balançavam a cabeça, todos eles, como se a música os embriagassem de uma coragem e certa confiança.  Como se eles tivessem escrito a própria música, ou mais além...  Que a música fosse escrita para eles.  Mas todos faziam isso.  Todos os que saem à noite para executar algo ilegal e ouvem esse tipo de música como se ela desse a razão para o seu ato seja lá qual ele for, afinal era exatamente o impulso final que precisavam para fazê-lo.  Um canto de guerra? Uma marcha fúnebre com batidas?  Seja lá qual for a interpretação, o efeito era o mesmo.  Desculpas para matar. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Que som louco!  -  Gritou Allan entremeio aos versos da música.

ㅤㅤ ㅤㅤNo outro banco Mickey perdia-se em sua mente engenhosa buscando cada detalhe que pudesse ter escapado afinal nesta noite nada poderia falhar.  Não neste encontro.  Mickey tivera que subir muito no submundo de Greencity para ter a confiança do Sistema e conseguir um encontro com o grande chefe, aquele que controla tudo com influência absoluta.  Ninguém sabia quem ele era e de onde surgiu, mas nos últimos dois anos ele tomou para si todo o poder do submundo e seus negócios e se tornou absoluto. Organizou as ruas, fez um sistema de distribuição de drogas inteligente e acabou com a SECTD (Sistema de Elite de Combate ao Tráfico de Drogas), fazendo falir este departamento, pois desde o momento em que ele assumiu o posto de Chefe, ninguém nunca mais foi pego, mas a droga continuava a ser distribuída.   Mick sabia disso; da influência poderosa e dos fortes pilares que ele formou no submundo, mas sua vingança era maior, e não se importava nenhum pouco de derrubar os pilares e a cidade cair, ele só queria uma coisa...  A cabeça Dele, cujo pseudônimo gera respeito e temor a cada respirar de quem já o ouviu. 

ㅤㅤ ㅤㅤEles o chamavam de Mágico.

ㅤㅤ ㅤㅤAllan estacionou em um terreno baldio no final da Rua Joseph Wall cruzando com a Rua Phillipe Horse.  Em uma das esquinas havia um pavilhão abandonado e a essa hora da madrugada somente havia alguns moradores de ruas dormindo, o que era perfeito para ele, pois este pavilhão tinha  a fama de servir de casa para alguns mendigos.  Muito conveniente para esconder os seus que estavam armados, e atirariam das sombras em seu alvo.  Já havia pensando em tudo, hoje nada iria dar errado.  Mickey dava algumas orientações para os mendigos e depois os mandou sair primeiro e se postarem nos locais ordenados, dentro do pavilhão.   Observou os mendigos sumirem nas sombras da noite e então desceu do carro, indo até o porta malas sacando uma submetralhadora israelense conseguida com muitos favores.  

ㅤㅤ ㅤㅤ- Hum, isso é um presente mais do que aquele bastardo vale.

ㅤㅤ ㅤㅤAllan desceu do carro também e caminhou até o lado de Mickey.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Isso aí derruba  até o Rambo, ‘bro!

ㅤㅤ ㅤㅤ- E hoje vai derrubar o... Mágico.

ㅤㅤ ㅤㅤSorriu e fechou o porta malas. Allan carregava sua Colt Anaconda atrás, na cintura, sob a calça.  Entraram no pavilhão rapidamente, afinal faltavam alguns minutos  para as 3 da madrugada, o horário combinado.  Atravessaram o grande portão e entrecruzaram os pilares, serpenteando latarias, latões em chamas e grandes caixas de madeira. Mickey conseguiu ver os mendigos localizados nos lugares certos, porém entre as caixas havia quatro mendigos dormindo sob pedaços de papelão.  São apenas drogados, disse para si.  Mas um calafrio subiu pela espinha e seu coração parecia estar sendo esmagado por uma sensação de pavor.  Talvez seja apenas a ansiedade, mas algo lhe dizia para sair dali, mas continuou.  Era tarde demais para recuar. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Irmão – Disse após um longo respirar – Fique atrás de mim e quando e espere minha ordem. Quando ele aparecer, atira no joelho dele que eu tomo conta do resto. Provavelmente ele não virá sozinho e com esta belezinha fica fácil pra mim.  Entendeu? No joelho cara! Não mata ele.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Copiado capitão.

ㅤㅤ ㅤㅤ- É sério mano, não brinca. Quero ir embora e te levar vivo cara.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Não vou morrer cara, relaxa.

ㅤㅤ ㅤㅤApertaram as mãos e após, avançaram até o centro do pavilhão. 

ㅤㅤ ㅤㅤEra tudo coberto por uma escuridão tenebrosa, porém o centro era iluminado pelo fogo dos latões que aqueciam quem dormia ali.  Eram postados em círculo exatamente seis latões afastados formando no centro um anel com iluminação o suficiente para encontros. Talvez este seja o propósito desses latões de fogo que nunca se apagam serem colocados desta forma.  Quem sabe...  Nunca se sabe o que acontece nas sombras de Darkrose e certamente o erro mais fatal e pensar que conhece a escuridão desta cidade.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Local é aqui. A hora é essa.  – Disse Mick.

ㅤㅤ ㅤㅤAmbos postavam-se um pouco afastado do centro. Ninguém apareceu e a impaciência de Mick mostrava-se alarmante depois dos 30 minutos passados da hora combinada.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ei cara, acho que ele não vem. – Alertou Allan.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ele tem que vir... ELE TEM! – Gritou.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Eu tenho... Mesmo?

ㅤㅤ ㅤㅤDas sombras um homem surgiu.  Mick e Allan giraram os calcanhares rapidamente e quase sacaram suas armas, porém controlaram-se, afinal tinham um plano.  O homem que saiu parecia mais com uma criatura das sombras, começando com sua voz ser parecida com a voz que saem daqueles aparelhos de comunicação e era pesada, cheia de pausas.  Poderia ser um dispositivo para ocultar a sua verdadeira voz, pensou Mick.  Seu rosto era coberto por uma máscara de gás e um capuz que ia até a altura dos olhos.  Seu traje estava aos trapos; um casaco gasto e manchado que escondia uma camisa azul estampada por um coelho saindo da cartola.  A calça era de um jeans azulado meio gasto com rasgos na altura dos joelhos e em seus pés, um All Star perto que parecia ser a única peça nova que aquele homem parecia vestir. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Um pouco atrasado, admito, mas estou aqui...  – Respirava alto e pesadamente o homem.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Sim, eu percebi. Eu vim negociar Rubi e sei que você tem.  Já deve ter ouvido falar de mim e sabe que sou seguro e confiável. – Confiável ao ponto de te furar todo seu bastardo covarde, só estava esperando o momento certo.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Hum... Rubi...  Sim, eu ouvi de você.  – Virou vagarosamente a cabeça na direção de Allan. 

ㅤㅤ ㅤㅤMickey fitou Allan e ambos pareciam não entender.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Se te surpreendesse o quanto as paredes têm ouvidos...  Você sequer  arquitetaria um plano para me matar.

ㅤㅤ ㅤㅤMick entrou em choque.  Como? Como?  Não falei nada e Allan me garantiu que não abriu o bico? Como? Esse cara... 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Agora Allan!

ㅤㅤ ㅤㅤAmbos sacaram as armas e as descarregaram nele e na adrenalina sequer percebeu que nenhum tiro fora disparado das sombras pelos mendigos.  Apenas viram o homem tombar, e rapidamente buscaram seus capangas, mas não havia nenhum. Seria ele confiante demais em vir sozinho? Confiou demais em sua reputação, pensou Mick.

ㅤㅤ ㅤㅤ- É isso aí cara!  Esse filho da puta não é nada, é só um homem, yeah! – Comemorou Allan.

ㅤㅤ ㅤㅤMick foi até o cadáver e o chutou várias vezes como se matá-lo apenas não fosse o suficiente.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Agora vamos ver a cara desse covarde... – Mick tirou a máscara e congelou. Não, não, não, não,  repetia para si.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Meu Deus do Céu... MÃE! – Gritou Allan ajoelhando ao lado do cadáver. – NÃOOOOOO!  

ㅤㅤ ㅤㅤMickey afastou a máscara para o lado para ver o cadáver de sua tia Marrie.  Fitou-a e percebeu que ela usava um  fone de ouvido e dentro do casaco, um pequeno alto falante do tamanho de um polegar estava grampeado no interior. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- A morte é dolorosa, não?

ㅤㅤ ㅤㅤUma voz cortou a lamentação dos dois.  Era um outro, porém  era um pouco mais alto usando as mesmas vestes.  Ambos rapidamente apontavam as armas para ele, mas antes de apertarem o gatilho foram alertados:ㅤㅤ ㅤㅤ- Tem certeza disso?  Como vão saber se não é outro... Ente querido?

ㅤㅤ ㅤㅤAbaixaram as armas e calaram-se.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Como já devem ter percebido...  O auto falante era de onde saía a minha voz e... O fone de ouvido era de onde saia minhas ordens... Hum...

ㅤㅤ ㅤㅤ- Covarde... Aja como homem e venha até aqui ‘pra eu te dar um tiro na cara... – A raiva de Mick era gritante, mas o que era pior: ele não podia fazer nada com o mandante do assassinato de sua mulher na sua frente.

ㅤㅤ ㅤㅤ-  Digo que covardia é uma espécie de coragem.  Você deixa para trás todo um jeito de ser e viver que você formou para si em prol de um bem maior. Isso é coragem.  Se você tivesse seguido sua vida formando uma outra família seria mais feliz e faria sua família feliz, afinal... Esqueceu que tem irmãos e que eles se preocupam com você? 

ㅤㅤ ㅤㅤMick enraiveceu e levantou a arma, mas fora surpreendido por um tiro no braço vindo das sombras.  Gritou de dor, ajoelhando-se cerrando seus olhos com força. 

ㅤㅤ ㅤㅤ- Eu falei para largar as armas.  – o homem caminhou até Mick e agachou-se, levando a mão até a face do mesmo.  – Prazer, eu sou o Mágico e você terá que morrer hoje. – Sacou uma lâmina da manga e a deslizou no pescoço de Mick. 

ㅤㅤ ㅤㅤEntão é assim..., sentia seu corpo esfriar.  Está tão frio...  Não conseguiu abrir seus olhos para fitar uma última vez o homem que acabou com sua vida.  Apenas deitou-se e pensou em sua mulher e filha, desejando do fundo do coração não encontrar com elas do outro lado.  Não por que deixou de amá-las. Não por que não teria coragem de olhar para elas após sua  vingança falha. 

ㅤㅤ ㅤㅤEra por que ele sabia que iria para um lugar de pesares...  Um lugar que ele iria pagar pelo que fez para chegar até o Mágico.  O inferno.  E lá não queria encontrar sua família.

ㅤㅤ ㅤㅤO Mágico levantou-se limpando a lâmina em seu casaco.  Girou os calcanhares e começou a caminhar vagarosamente para fora do círculo de fogo, mas cessou seus passos para suas últimas palavras, o ato final de seu show:

ㅤㅤ ㅤㅤ- Ser dono da cidade significa ser a cidade, caro rapaz.  

ㅤㅤ ㅤㅤNeste momento, após as palavras que pareciam não ter sentido Allan ouvia ecos de armas engatilhando por todos os lados. Então ele entendeu.  Era como se um exército estivesse escondido nas sombras... Um exército invisível. O homem misterioso agachou-se, pegando um saco vermelho atrás de um dos latões.  

ㅤㅤ ㅤㅤ  Não pretendia matar seu camarada, mas a perseguição dele estava estragando muito dos meus negócios.  Bem, acho que era isso que ele estava procurando...

ㅤㅤ ㅤㅤJogou o saco no meio do círculo e no impacto, uma cabeça rolou de dentro até parar a frente de Allan. O mesmo ficou atônito e não conseguir conter o líquido quente que escorria entre suas pernas.

ㅤㅤ ㅤㅤ- Morrison.  Helber Morrison, um capanga meu. Ele matou a família de seu camarada, mas não pense que fiz isto para amenizar a morte do seu parceiro. Fiz isso por que ele desobedeceu a uma ordem minha, e essa ordem fora não cobrar com sangue e sim com algo de valor que ele poderia carregar daquela casa. Eu pensei no carro, mas a televisão valeria o dobro de Rubi que ela estava devendo... Enfim...

ㅤㅤ ㅤㅤTirou a máscara e a jogou no colo de Allan. De costas ele parecia ser só um jovem de cabelos negros, mas do outro lado, a face era oculta pelas sombras e sabe-se lá a expressão que ele carrega e as trevas que o acompanha. Percebeu isso esbanjando medo o primo e parceiro de Mick, apenas vendo-o   sumir nas sombras  deixando algumas palavras ecoarem no ar:

ㅤㅤ ㅤㅤ- Se eu fosse você não fumaria mais erva  uma noite antes de ir fazer qualquer trabalho.

ㅤㅤ ㅤㅤE Allan lembrou que compartilhou um cigarro de maconha em sua casa uma noite antes de ajudar Mickey com sua vingança.  Lembrou que na loucura da erva comentou com seus “parceiros” o que ele iria fazer.  Era só para me acharem perigoso e maneiro, disse para si, e  isso custou a vida de seu primo, de seu irmão. O perigoso e maneiro, tornou-se apenas...

ㅤㅤ ㅤㅤTraidor e covarde, tudo aquilo que eles caçavam nessa noite.


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